terça-feira, 17 de março de 2009

Mercado de arte empobrece depois da crise global

para a Folha de S. Paulo, 15.mar.09

Volume de vendas cai com saída de cena da classe média; no Brasil, efeito ainda não veio com força, mas há desaquecimento

Britânica Christie's vai fazer corte de 20% no número de funcionários; ações da americana Sotheby's caem 64% desde setembro

Passados nove meses de sua morte, o estilista francês Yves Saint Laurent causou frisson em Paris há três semanas. Sua coleção de arte privada, e de seu companheiro Pierre Bergé, foi leiloada por 373,5 milhões (foto acima).

O valor é recorde, mas o que mais estarreceu o setor, acostumado a cifras exorbitantes, é que a venda se deu no meio da turbulência econômica que varre o mundo. Apesar do resultado grandioso, as artes já amargam os efeitos da crise, com feiras enxutas e clientes ressabiados. No Brasil, a crise ainda não chegou com força, mas o mercado já se desacelerou. Na Bolsa de Arte do Rio, a captação de obras para a temporada de leilões, por enquanto, é 50% menor que em 2008.

O mercado de artes plásticas, assim como quase toda a economia, vivia tempo de vacas gordas até o estouro da crise. Poucos dias após a concordata do banco americano Lehman Brothers, há seis meses, um leilão com obras do britânico Damien Hirst (próxima foto) levantou US$ 107,8 milhões em Londres. Mas a bolha da arte contemporânea parece ter estourado. "Não se pode esperar que uma obra de um artista com menos de 50 anos valha mais que um Rafael", diz Pedro Corrêa do Lago, representante no Brasil da casa de leilão Sotheby's, referindo-se a um dos ícones da Renascença.

Apetite
A disparidade de preços mostra o quão aquecido andava o mercado de artes, sobretudo pelo apetite dos novos milionários russos e de colecionadores da Ásia. No Brasil, guardadas as devidas proporções, o mercado seguia igualmente bem. Ainda não se consegue ver com clareza os eventuais estragos da crise por aqui, já que as vendas tradicionalmente ganham força a partir de agora, com a temporada de leilões e a SP Arte, feira que acontece em maio.

Dadas as características do mercado brasileiro, muito pequeno e sem políticas públicas de aquisição, a alavancagem das galerias locais sempre foi muito limitada se comparada à das norte-americanas.

Segundo a marchand Márcia Fortes, da galeria Fortes Vilaça, a obra mais cara da última exposição da pintora carioca Beatriz Milhazes foi vendida por R$ 300 mil. Valor muito inferior ao US$ 1,05 milhão arrecadado com a venda de sua tela "O Mágico" (última foto), num leilão da Sotheby's em Nova York, no início do ano passado.

Os galeristas são unânimes em confirmar que o mercado anda "devagar", mas negam que estejam baixando preços. "Estamos é enxugando todo tipo de operação, em cerca de 30%", diz Fortes, que representa outros pop stars da arte brasileira, como Vik Muniz e Ernesto Neto.



Segundo outra marchand, Raquel Arnaud, dona da galeria que leva seu nome, "esta é uma fase de espera". "Os clientes estão mais cautelosos", conta.

Já o galerista Eduardo Leme, que é economista, acredita que parte da retração no mercado internacional de artes se dá porque repentinamente saiu de cena uma classe média que passou a consumir com a bonança dos últimos anos. "Mas isso não acontece no Brasil, porque esse perfil é insignificante aqui." Ele diz que não é só o preço ou a oportunidade do negócio que motiva a compra de uma obra: "Tem o fetiche da peça única e a vontade do colecionador, que vai continuar comprando, senão a peça mais cara, uma mais barata".

Transações milionárias
Por trabalhar com uma mercadoria muito subjetiva, o mercado de artes possui diversas nuances. Os especialistas dizem que a crise não deve impedir, por exemplo, transações milionárias de obras-primas consagradas, cujo preço não deve cair. Um trabalho da fase de vanguarda de Pablo Picasso, por exemplo, vai continuar caro e com mercado garantido, mas uma "obra média", uma gravura dos seus últimos anos, pode se tornar suscetível.

"Se Eduardo Constantini [colecionador argentino] quiser vender "O Abaporu", de Tarsila do Amaral, vai ter quem pague milhões aqui no Brasil", afirma Jonas Bergamin, presidente da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro. O mesmo não acontece com obras menores e artistas menos consagrados, a julgar pela dificuldade de Bergamin em captar peças para a próxima temporada de leilões.

"A oferta para os leilões caiu 50%. É comum pensar que, numa crise, as pessoas vão vender. Podem até deixar de comprar, mas nunca vão vender", diz, considerando que as obras também são uma reserva de valor. Para Corrêa do Lago, da Sotheby's, há "uma correção de 10% a 30% no valor das peças médias". Ele confirma a dificuldade na captação de obras.

E o sucesso do leilão de Saint Laurent? "É que uma peça que pertenceu a ele ganha pedigree", responde Corrêa do Lago. Também havia muitas raridades entre as obras leiloadas, que não vão estar disponíveis tão cedo no mercado.

Preços
Christina Haegler, representante da Christie's, a casa responsável pelo leilão do estilista, também se diz surpresa: "Foi um alívio". Ela conta que o valor das obras tem caído nos pregões. "Na arte contemporânea, os preços caíram até 30%", diz, e também há dificuldade em encontrar peças para os leilões. A desaceleração do mercado de artes já fez com que a Christie's anunciasse que irá fazer "reduções significativas no quadro de funcionários" ao longo deste ano. Fala-se de um corte de até 20%.

O volume de vendas dos leilões antes e depois da crise (apesar da surpresa em Paris) mostra o desaquecimento. Em maio do ano passado, um leilão com produção do pós-Guerra, que incluía o expressionista abstrato Sam Francis, teve 95% dos lotes vendidos pela Christie's. Em novembro, num outro leilão, que incluía peças do também artista americano Jean-Michel Basquiat, 68% dos lotes foram arrematados.

As coisas também não vão bem para a rival Sotheby's. Desde o agravamento da crise, as ações da empresa americana negociadas em Wall Street se desvalorizaram em 64%.

2 comentários:

  1. Gostaria de saber se Maurício Morais pintou "Oásis" em 1988?

    ResponderExcluir
  2. Gostaria de saber se Maurício Moraes, perdão..."MMORAES", pintou "Oásis" wm 1988?

    ResponderExcluir

"Toda unanimidade é burra" - Nelson Rodrigues

 
BlogBlogs.Com.Br