segunda-feira, 27 de outubro de 2008

no século 17, tulipas deixaram Amsterdã à beira da bancarrota

para a Folha de S. Paulo, 21.set.08

Um arranjo de tulipas custa hoje cerca de R$ 30. Mas, na Holanda do século 17, para comprar um só bulbo da flor, era necessário dispor de 24 toneladas de trigo. A conta é assustadora, assim como foi a quebradeira que se seguiu à primeira crise especulativa de que se tem notícia. Quase 400 anos depois, Wall Street vê algumas de suas instituições ruírem. Os tempos e as crises são outras, mas o "espírito animal" que faz as cotações alcançarem preços irreais continua o mesmo.

"Espírito animal" foi o termo usado pelo economista inglês John Keynes (1883-1946) para explicar a euforia que move os investidores em busca do lucro fácil proporcionado pelo mercado financeiro. Assim foi na crise de 1929 e assim foi na rica Amsterdã dos anos 1600. A exótica tulipa, vinda do Oriente, virou mania entre os holandeses, que passaram a colecionar e logo a disputar os bulbos.

Tamanha valorização fez os produtores (e logo os intermediários) fecharem contratos futuros informalmente, os chamados "windhandel" (negócio de vento). A cada ano, o preço da tulipa se inflacionava e alcançava valores exorbitantes.

"Uma isca dourada fisgou tentadoramente um a um. Todos correram para os mercados de tulipas, como abelhas num pote de mel", descreveu Charles Mackay, num relato do século 19 que celebrizou a tulipamania, como ficou conhecida.

O que foi inicialmente uma vaidade dos ricos holandeses se tornou um negócio milionário. Mackay conta que um marinheiro bêbado passou seis meses na prisão depois de comer um dos valiosos bulbos, pensando se tratar de uma cebola.

Em 1637, a bolha estourou. "Foi um efeito manada", explica o professor Renato Colistete, da FEA-USP. "Os negociantes começaram a vender os contratos e o mercado fictício desapareceu." Assim como evaporaram as propriedades e tudo o que os holandeses empenharam na tulipamania. O relato de Mackay é controverso e muito do que conta pode ser lenda, ou seja, tão real quanto o valor de muitos títulos negociados Bolsas afora. Mas a história ilustra bem a crise que chacoalha Wall Street, tragando instituições de peso como o banco Lehman Brothers e virando a ideologia do livre mercado pelo avesso.

Assim como o governo americano já torrou US$ 1 trilhão para aliviar a crise (e deve gastar em breve outros bilhões), o governo holandês teve de intervir. Os contratos podres eram comprados por 10% de seu valor. Para Colistete, a atual intervenção "é surpreendente". Muito diferente de 1929, quando o governo Herbert Hoover assistiu de braços cruzados à erosão do sistema financeiro. Dinheiro público seria usado só depois, para pagar as frentes de trabalho num país em que 25% da população ficou desempregada.

Um dos efeitos da tulipamania foi a sofisticação do sistema financeiro e a criação de mecanismos como o mercado de opções. Colistete acredita que a atual crise também trará mudanças: "Haverá uma pressão por mais transparência", diz, já que houve uma oferta exacerbada de crédito ao setor imobiliário e os riscos não foram perceptíveis no início.

Sobre a crise atual, o professor não se arrisca, mas parece crer no presidente do Federal Reserve: "Ele está usando o conhecimento acumulado pelos estudos", brinca Colistete. Enquanto acadêmico, Ben Bernanke foi um especialista em Grande Depressão.

o anti-prefeito

"Eu dedico esta vitória ao Serra", foi assim, com os olhos azuis arregalados, sorriso no rosto, que Gilberto Kassab agradeceu pela vitória à prefeitura de São Paulo. O prefeito é bem-agradecido. Tem de ser. Serra foi seu grande fiador. Sem o governador de SP, Kassab continuaria sendo só mais um deputado baixo-clero do PFL (DEM) paulista, ex-secretário de Pitta e representante de um eleitorado meio... antigo. Virou prefeito, por acidente de percurso. Ele era o marionete mais conveniente para Serra. Mas o destino existe para Kassab, nem que seja pela metade. Ele é agora o nosso prefeito, quer dizer...o anti-prefeito.

Sejemos sinceros: quem administra a prefeitura de SP é o secretário das Subprefeituras, Andrea Mattarazzo. Graças ao bom Deus e à maquiavelia de Serra! Imaginem uma cidade governada pelo Kassab mais "primitivo", o Kassab que enxotou chamando de vagabundo um manifestante, o Kassab herdeiro do Maluf way of government? Ele pode ter se redimido e se tornado um neo-tucano travestido de demo. Mesmo assim, Serra preferiu deixar o governo da cidade nas mãos de Andrea.

Filho da fina flor da elite paulista (primo do ex, Suplicy, de Marta), Andrea seria algo como o primeiro-ministro de São Paulo, elegante, quase um personagem romano saído de um filme de Fellini. É a sombra do anti-prefeito.

Com cenário armado para 2010, cabe a Serra agora lidar com os detalhes para dar o cheque-mate. A arquitetura política conservadora está pronta. Mas se quiser ser chegar ao Palácio do Planalto, em 2010, Serra terá de mostrar muita malemolência, descer do salto alto e comer buchada, feito FHC em 1994. Se mantiver sua arrogância típica, vai quebrar a cara. Algo ao estilo Cristina Kirchner. Serra terá de mudar seu estilo negociador (deplorável, na recente "guerra civil" entre as polícias de SP e na ocupação da reitoria da USP, ano passado). Como se comportaria um "presidente Serra" ao negociar a atual crise dos brasiguaios no Paraguai, que deve ser o calcanhar-de-Aquiles da política externa nos próximos anos?

Serra provou que consegue eleger um anti-prefeito em SP. Mas na presidência... bem... na presidência não há espaço para anti-heróis.
 
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