sexta-feira, 15 de agosto de 2008

pastoreando o Paraguai

O ex-bispo Fernando Lugo tomou hoje posse como presidente do Paraguai, encerrando uma hegemonia de 61 anos do Partido Colorado no poder. Jurou a Constituição vestindo uma camisa branca, sem gravata nem paletó, calçando sua habitual sandália de couro. Ainda não se sabe no que vai dar esta aventura (democrática) que Lugo encara como missão quase espiritual - por o mínimo de ordem em um Estado arrasado pela corrupção, clientelismo, isolado na planície parte pantanosa do centro da América do Sul.

A imprensa não vai demorar para adicionar Lugo à lista dos presidentes populistas de esquerda que pipocaram no continente. Mas Lugo tem um apelo diferente dos outros. Seu personagem não se ampara na origem étnica de boa parte da população, caso de Evo Morales na Bolívia, ou no discurso ideológico cujo pacote inclui políticas compensatórias e assistencialistas, caso de Hugo Chávez, na Venezuela. Suas sandálias lembram que ele ainda é um religioso. Especula-se qual escola esquerdista irá adotar, se a bolivariana de Chávez ou a pragmática de Lula e Michele Bachelet do Chile. Lugo provavelmente fará a opção por uma revolução a la São Francisco de Assis.



A primeira grande batalha que o presidente missionário deve encarar é seu próprio gabinete. Lugo foi eleito por uma coalizão de onze partidos. A Aliança Patriótica para a Mudança inclui de movimentos sem-terra radicais ao centenário Partido Liberal, do vice Federico Franco, histórico rival dos Colorados. Curiosamente, os liberais estiveram no poder até 1947, quando o Partido Colorado assumiu o país depois da Guerra Civil, pregando justamente o fim da oligarquia autoritária dos liberais - as avessas do que se vê hoje. Daí os temores de que ele pudesse sofrer um golpe de seu vice, Franco, que já reclamou mais poder na condução do novo governo. Embora essa conspiração soe surreal aos nossos ouvidos, golpes e desrespeito deslavado às instituições do Estado ainda são corriqueiros no Paraguai.

Ao que parece, a principal garantia de governabilidade no Paraguai será o próprio Lugo, daí seu apelo religioso numa sociedade católica que lembra o interior do Brasil. O presidente já disse que pretende implantar um programa de renda básica no país e Brasília está disposta a ajudar. Se por aqui o Bolsa Família garante um forte respaldo a Lula, no Paraguai pode render um poder quase fascista a Lugo. Resta saber se ele não cairá em tentação.

Fato é que o Paraguai nunca mais será o mesmo a partir de hoje. O fracasso da elite política tradicional é evidente, tanto que a derrota dos colorados se explica também pelo racha em seu seio de poder. O grande consenso é de que o país precisa de mudanças urgentes, questões primordiais também às elites econômicas, que esbarram em vícios arcaicos para se inserir no mundo globalizado. Nem a internet é liberalizada no Paraguai. Por isso, a tarefa de Lugo é herculiana. Estranho seria se o novo presidente declinasse da ajuda dos deuses.
 
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